A ditadura do instantâneo
por Natalia Maeda
Acontece que agora o mundo exige que sejamos concisos.
Eu já estava me acostumando a isso. Em roteiro, o melhor é escrever usando o mínimo possível de palavras, de forma clara e direta. Afinal, é um material para ser lido por uma equipe que necessita de indicações muito objetivas sobre o que está acontecendo no filme, para então poder transformá-las nas cenas concretas que a gente adora ver, cheias de ação, drama e situações interessantes. Roteiro não é livro. Até aí, tudo bem.
O problema é que não é só o roteiro de cinema que pede para o escritor ser sucinto. Outro dia fui fazer minha inscrição em um evento de games para conscientização (o Games for Change, que aconteceu em São Paulo há algumas semanas) e o site me pedia para escrever minha biografia em 140 caracteres. Não lembro bem se era 140 ou 180, fato é que era um absurdo assim, à moda do Twitter.
E daí tudo precisa ser muito rápido. As informações chegam e se vão em centésimos de segundo, correndo, fugindo, pedindo para serem clicadas, e logo depois se escondem, somem no meio de tantas outras! Se algum internauta ousado publica um texto um pouco mais longo, já é acusado de ser prolixo. São tantos estímulos instantâneos, tantas imagens, tantas gags, que qualquer coisa que dure mais de um alguns minutos já é o suficiente para a sensação de se estar perdendo tempo.
Se tem uma coisa que eu adoro é sentir que aproveito o tempo o máximo possível. E isso não significa fazer mil coisas em uma hora, sabe? Mas sim fazer uma coisa bem feita, de corpo e alma presentes. Agora há pouco fui à livraria e me lembrei de como é gostoso poder caminhar sentindo as coisas boas que nos cercam. Mas sentindo de coração, desfrutando mesmo, sem ansiedades, sem julgamentos. Estava procurando um presente e achei um livro chamado Da colheita para a mesa, que é lindo. Fala sobre como termos um olhar consciente sobre os alimentos, prestando atenção na melhor época para cada legume, fruta ou verdura… cuidando nos alimentarmos de modo saudável e em respeito ao ritmo da natureza.
Nós, seres humanos do agora, forçamos o tempo! Queremos ter nossos alimentos favoritos todos os meses. Então os produtores plantam as sementes, enchem as mudinhas de veneno, colhem os frutos rapidamente… e o resultado disso nós devoramos num piscar de olhos. Por que gastar vinte minutos para cozinhar um macarrãozinho, se podemos fazer em um três minutos e já com o tempero pronto, olha só? Afinal, temos que trabalhar, temos que correr atrás de dinheiro, não podemos perder tempo, um minuto que seja…
E parece que isso também está acontecendo com as crianças. Criadas cheias de estímulos rápidos, de propagandas de roupas e de brinquedos daqueles que fazem tudo sozinhos. Pela vida corrida e cheia de ansiedade dos adultos, essas crianças vão aprendendo que as coisas são descartáveis. E se as coisas são descartáveis, as pessoas também podem ser. Onde está o valor que se dá ao eterno, ao aprendizado que não é passageiro como a vida das pilhas que se acabam? Esse aprendizado que está nos livros, nas histórias em que a gente mergulha e não quer mais largar, no contato de verdade com as pessoas, nos abraços, nos animais e na natureza? No sentir a vida de forma intensa e maravilhosa?
E aí me pedem para escrever em 140 caracteres. Antes eu até gostava. Sabe, pensava que pudesse ser um desafio à sagacidade. Mas agora eu vejo que parece muito mais uma tentativa desesperada de se deixar marcas (passageiras) no mundo, do que um verdadeiro estímulo à criatividade. Afinal, a vida não é feita de minutos e segundos, ou da quantidade de letras com que se escreve uma frase. A Vida, sim, é feita da matéria com que preenchemos essas lacunas. É feita de momentos com os nossos amigos, de passeios pelo mundo, de histórias boas, de alimentos preparados e desfrutados com carinho, de reflexões e de uma consciência real acerca do que está ao nosso redor. A verdadeira Vida, ela sim, é feita de Amor. Tanto faz se isso vem em dois segundos ou em cem horas, em duas frases ou em cinco volumes. O que é eterno é eterno, e nisso não dá para colocar ponto final.
Muito legal, Nati! Essa concepção do tempo me dá muita angústia também. Tenho pensado muito sobre isso, seu post apareceu no meu caminho na hora certa!
Que maravilha ouvir isso, Lucy! Muito bom mesmo…
Saudades de você. Lembrei agora daquele nosso cumprimento maluco, nadando contra a correnteza.
Beijos!